Video-documentário sobre o restauro do Monumento ao médico, cientista e agricultor Luiz Pereira Barreto - primeiro monumento em praça pública de autoria de Galileo Emendabili - 1929 - Praça Marecha Deodoro da Fonseca, em São Paulo - Capital 

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Monumento a Luiz Pereira Barreto

Luiz Pereira Barreto foi médico, cientista, e cafeicultor. Alcançou renome na segunda metade do século XIX e início do XX. Nasceu em Rezende – RJ. Fundou a cidade de Cravinhos - SP. Implementou vinhas no Estado de São Paulo. Introduziu também o guaraná e foi pioneiro na indústria cervejeira. Teve grande importância no âmbito da organização da Medicina em São Paulo.

Com seu falecimento aos 83 anos, a Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo e o flórido setor agrícola do Estado de São Paulo, sobretudo no café, tiveram a iniciativa de propor um concurso público internacional para erigir um monumento à sua memória na Praça Marechal Deodoro, próximo à emergência da Avenida Angélica, no centro de São Paulo.

Galileo Emendabili, que pertencera ao Grupo de Vanguarda expositor de suas obras na renovadora, revolucionária, "Esposizione Regionale D'Arte" de 1921, na Itália, espantado ficou com o rigorismo acadêmico conceptivo imposto no edital.

Contudo, não tinha alternativas. Pretendia firmar-se no cenário das Artes Plásticas do país que o acolhera, especialmente em São Paulo, emigrado com sua jovem esposa em junho de 1923, refugiados do Fascismo mussoliniano que ascendeu ao poder ano antes, na Itália. Ademais, precisava simplesmente viver de sua arte.

Galileo Emendabili, de origem humilde, jovem de 25 anos, ao desembarcar em Santos, além da qualificação de Escultor no passaporte, na bagagem trazia: espírito indômito, determinado; personalidade fortíssima, dotada de inteligência singular e cristalina sensibilidade; caráter inflexível; vasta cultura geral, dominando inclusive toda a Mitologia Greco-Romana; percepções profundas arquitetônicas e escultóricas que remontavam aos Sumérios; dominando ainda Anatomia Humana a Animal, que sabia como poucos traduzir no mármore e no bronze.

Estes conhecimentos foram adquiridos nos anos de árduo estudo e prática na Real Academia de Belas Artes de Urbino, nas Marcas, Itália, e nos Studio de Jollo, Dazzi, e outros, custeados por uma bolsa de estudos, graduando-se ele com notas e médias máximas em 1919 no Curso Superior de Escultura daquele centro artístico de excelência.

Desde cedo adotara na sua escultura a Teoria dos Planos tão defendidos por Hildebrand, e já se encontrava fortemente impregnado pelo romanismo de Mastrovic, pelo expressionismo de Widt, pelo reformismo de Martini, pelas obras pré-renascentistas de Donatello, e pelo “primitivismo” do Trecento e Quattrocento italianos.

Portanto, o rigorismo acadêmico do edital constituía sim um óbice para ele.

Aceitou participar do concurso, em seus termos, até porque os seus primeiros anos de Escultura passados foram ao lado de Domenico Jollo, mestre escultor verista, e, nos dizeres de Francesco Ghedini, o “pequeno mestre do tempo”. Assim, o academicismo da obra poderia por ele ser bem executado.

Contudo, isto não o satisfaria como artista emergente. Não queria ser de logo etiquetado como acadêmico pelo público, muito embora o monumento memorial “Oferenda”, da família Bertolucci, por ele executado em São Paulo, já compatibilizasse a arquitetura reta do memorial com a estética renovadora do expressionismo de Wildt e de Martini na escultura, inserindo no memorial elementos Art Dèco, denunciando estar ele longe das balizas rígidas formais acadêmicas.

Enveredou, pois, por caminho sutil e seu projeto, a atender às diretrizes estéticas exigíveis, elevou a figura de Luiz Pereira Barreto, esculpida de acordo com os fixados parâmetros estéticos, deixando para o terço médio e baixo do monumento certo espaço para esculturas dotadas, sem exageros, de algum expressionismo. De feita que, em termos artísticos, destacava a figura do homenageado, satisfazendo o gosto estético dos propositores do monumento, sem deixar de exprimir seu talento nas figuras da base, a conferir certa originalidade à obra sem criar demasiadas polêmicas.

Iniciaria assim, em praça pública, a fazer-se perceber por seu especial dom de utilização de figuras mitológicas e de elementos de arquitetura conectados, a perfazer uma mística de todo emendabiliana, arquitetônica e escultórica, integrando-as, capaz de referir num só olhar do público as qualidades, as virtudes e os êxitos do representado maximamente.

Emendabili estudava a fundo o personagem a ser figurado na escultura. A vida, suas obras, suas vitórias e, se possível, derrotas, reveses, infortúnios. Solicitava amplo material iconográfico que apendia à sua volta. Das fotografias captava o olhar, a gestualidade, e, assim, por sua sensibilidade impressionante, conseguia captar também a alma de quem devia imortalizar no bronze, no mármore, na cerâmica ou terracota. E o fazia, sempre, com originalidade e maestria, dando vida, espírito, ao material.

Barreto era um homem da Medicina e da Agricultura. Fora inovador em ambas as atividades. Para homenageá-lo, Emendabili escolheu esculpir duas deusas junto à base do monumento: Ceres, a deusa da abundância, da colheita prospera, da terra fértil e; Hygea, a deusa que segura a fonte da Sabedoria, representada pela serpente que dela emerge, figurando ela a deusa da cura.

O modelado das duas deusas, graciosas, leves, com elementos de Art Dèco, com Ceres alegre, juvenil, viçosa, e Hygea compenetrada, circunspecta, deram contraste tonal aliviando o pesado fardo do academicismo sobrestante da figura de Barreto. Cuidou Emendabili também de tratar da base granítica, adornando-a com leves elementos entalhados, seguindo a mesma linha adotada para as duas deusas, harmonizando o conjunto.

Com a maquete, obteve o 1º lugar, esculpindo as peças ainda no seu primeiro atelier, na Rua das Flores, hoje Praça Clóvis Bevilaqua, erigindo o monumento no sítio em que destinado, e que até hoje se encontra, a Praça Marechal Deodoro, que mereceria melhor tratamento, sobretudo após a degradação urbanística local advinda da construção do Elevado.

Quanto ao Elevado, este degradou a praça e todo o entorno da Avenida São João. Ironicamente antes denominado Marechal Costa e Silva, em homenagem ao governante que firmou o Ato Institucional de nº 5, inaugurando a ditadura brasileira que vigiu até 1984, veio a ser, nos dias modernos, rebatizado com o nome do ex-presidente da República João Goulart, deposto pelos militares em 1964, o qual, desta maneira, foi infelicitado por duas vezes: a primeira, ao forçadamente ter de deixar o cargo; e a segunda, pos-mortem, ao emprestar o seu nome para uma das mais horrendas obras viárias já edificadas por sobre o planeta em todos os tempos, durante a ditadura militar, verdadeira excrescência arquitetônica, exemplo vil de como se violentar o espaço urbano em prol da primazia dos automóveis e ônibus, tudo em prejuízo do meio ambiente, das pessoas e da beleza da arte inserida nos espaços públicos.

O jovem autor cumpriu religiosamente o edital e o prazo estabelecido. Contudo, não compareceu à solenidade de inauguração.

 

Paulo Emendabili Souza Barros De Carvalhosa

Ilhabela, 08 de maio de 2013

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